BRASÍLIA, DF E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negou em depoimento ao STF (Supremo Tribunal Federal) nesta terça-feira (10) que tenha discutido planos para dar um golpe de Estado após a vitória de Lula (PT) na eleição presidencial de 2022, mas itiu ter discutido com chefes das Forças Armadas alternativas -segundo ele, dentro da Constituição.
"Conforme falou o general Freire Gomes [comandante do Exército na época], talvez foi nessa reunião, nós estudamos possibilidades outras dentro da Constituição, ou seja, jamais saindo das quatro linhas. Como o próprio comandante [Freire Gomes] falou, tinha que ter muito cuidado com a questão jurídica porque não podíamos fazer nada fora disso", disse Bolsonaro, sem detalhar a intenção das medidas estudadas com os militares.
O ex-presidente disse que, "em poucas reuniões, abandonamos qualquer possibilidade de uma ação constitucional". "Abandonamos e enfrentamos o ocaso do nosso governo." Mas itiu ter visto de "modo rápido", em uma "tela", documento apresentado durante reunião com chefes militares e disse, em seguida, que foi levantada a ideia sobre um "estado de sítio", mas que nada foi para frente.
Esta foi a primeira vez que Bolsonaro esteve diante do ministro Alexandre de Moraes para ser interrogado na condição de réu. Foram duas horas e sete minutos de depoimento, em que o ex-presidente respondeu a perguntas formuladas por Moraes, pelo ministro Luiz Fux, pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, e por advogados.
Em entrevistas nos últimos meses, Bolsonaro já havia falado sobre a discussão de medidas como estado de sítio e de defesa após as eleições de 2022, mas essa versão ainda não constava de sua defesa no processo da trama golpista no STF.
Agora, ao Supremo, Bolsonaro itiu ter tido o ao documento que sugeria a decretação de medidas de exceção após as eleições presidenciais.
Na segunda-feira (9), em depoimento ao STF, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid repetiu detalhes da apresentação de uma minuta de decreto golpista para o então presidente e relatou alterações que teriam sido feitas por Bolsonaro para adequar o documento às intenções do grupo que ocupava o Palácio do Planalto.
"Ele enxugou o decreto", disse Cid ao ministro Alexandre de Moraes, "retirando as autoridades das prisões só o senhor [ministro Alexandre de Moraes] ficaria preso".
Em seu depoimento, Bolsonaro rebateu essa versão: "Não procede o enxugamento", afirmou. Ele disse que o arquivo encontrado no celular de Mauro Cid "não tinha cabeçalho e nem fecho", só os "considerandos" (provável referência ao preâmbulo de um decreto).
Em seguida, diante da pergunta sobre se tinha mostrado algum documento na reunião do dia 7 de dezembro de 2022 ao general Freire Gomes, Bolsonaro não citou qualquer documento físico, mas disse que foi mostrado em uma tela. "Foi ado na tela os considerandos de forma bastante rápida ali."
Mais adiante, questionado se teria discutido nas reuniões sobre uma intervenção no TSE e a instauração de uma comissão eleitoral, Bolsonaro disse que "gostaria de ter o ao documento para discuti-lo".
Ao responder à pergunta de seu advogado quanto a se "alterou escreveu ou colocou no computador alguma minuta", Bolsonaro disse que não.
O ex-presidente disse ao Supremo que ou a avaliar medidas com os chefes das Forças Armadas após o ministro Alexandre de Moraes, ainda no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), decretar uma multa de R$ 22 milhões ao PL pela representação contra o resultado das eleições presidenciais.
"Essas reuniões que ocorreram foram em grande parte em função da decisão do TSE. Quando peticionamos sobre possíveis vulnerabilidade, no dia seguinte não foi acolhido e nos surpreendeu uma multa de R$ 22 milhões. Se viesse a recorrer da multa ou da petição, poderia ser agravada. Decidimos então encerrar com o TSE qualquer discussão sobre resultado das eleições", afirmou o ex-presidente.
Bolsonaro afirmou que convidou os chefes das Forças Armadas para discutir as "alternativas" porque tem a mesma formação militar deles. "Eu não tinha clima para convidar ninguém para qualquer assunto. Sobrou a eles, até como um desabafo -não entre nós, eu para com ele", disse.
"Eu ouvi o Paulo Sérgio [ex-ministro da Defesa], ouvi o Freire Gomes, ouvi o [Almir] Garnier [ex-comandante da Marinha] e não pude ouvir muito o Baptista Júnior [ex-comandante da Aeronáutica] porque ele pouco falava. Ele nem leu a minuta que ele acusa, nem chegou a ler aquele assunto. O militar é aquele que está do seu lado nas horas boas e nas horas ruins. E eu confesso que muita coisa que eles falaram eu absorvi e se chegou à conclusão rapidamente que não tinha mais o que fazer."
Em seu depoimento nesta terça, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira confirmou que esteve na reunião em que Bolsonaro apresentou pela primeira vez a minuta do golpe aos chefes militares. Ele disse que ficou preocupado com a possibilidade de o ex-presidente decretar uma medida de exceção.
Bolsonaro foi o sexto réu da trama golpista a prestar depoimento ao STF em dois dias de audiências destinadas a ouvir os acusados. A sessão desta terça começou pouco depois das 8h e só terminou às 19h02, com um intervalo de uma hora e meia para o almoço.
O depoimento de Bolsonaro foi o mais longo. Começou às 14h33 e terminou por volta das 16h40. Ele chegou ao STF com um exemplar da Constituição e o levou para a mesa em que se defenderia das acusações, levantando-o enquanto discursava sobre não ter atentado contra a democracia.
O clima de descontração iniciado na segunda-feira (9) também permeou o segundo dia de depoimentos. Bolsonaro chegou a convidar Moraes para compor sua chapa presidencial em 2026 -o ex-presidente está inelegível por condenação no TSE.
"Gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 26", brincou Bolsonaro. "Eu declino", respondeu Moraes.
O ex-presidente disse que os ministros nunca o viram agir contra a Constituição. "Vossa excelência e o ministro [Luiz] Fux não me viram agir contra a Constituição. Eu agi dentro das quatro linhas o tempo todo. Às vezes eu me revoltava, falava palavrão, mas fiz aquilo que devia ser feito", disse.
Bolsonaro negou que tivesse atacado as urnas eletrônicas para dar ensejo ao golpe de Estado após a derrota nas eleições. O presidente disse que critica o sistema eleitoral desde 2012 como retórica política.
Ele leu ainda antigas declarações do ministro do STF Flávio Dino e do presidente do PDT, Carlos Lupi, sem contextualização, para dizer que políticos de esquerda também criticavam o sistema.
No fim da sessão, Moraes derrubou uma restrição que persistia desde fevereiro de 2024 que impedia os réus de manterem contato. O ministro também intimou todos os advogados da abertura do prazo de cinco dias para as defesas requererem novas diligências -última fase antes das alegações finais das partes.
MINUTAS APREENDIDAS
- Estado de defesa: Em janeiro de 2023 foi encontrada na residência do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, uma minuta prevendo a decretação de estado de defesa no TSE e a criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a "conformidade e legalidade do processo eleitoral"
- Estado de sítio: Já em junho do mesmo ano, veio a público que a Polícia Federal também tinha encontrado um arquivo no celular de Cid que tratava da decretação de estado de sítio. Meses mais tarde, em fevereiro de 2024, documento de mesmo teor foi apreendido na sede do PL -segundo Bolsonaro sua defesa tinha enviado a ele o arquivo encontrado com Cid para ele ficar a par da investigação